Patrono
Patrono
“Por entre os vivos que morrem, saudando os mortos a viver …”
(cit. in Menezes Falcão)
A terra que me serviu de berço foi a mesma onde nasceu Portugal. É isso, Guimarães, Novembro de 1841.
Da minha infância, já tão longínqua, não falarei, nada de relevo a assinalar, tudo simples, tudo calmo; seria um relatar de situações que, hoje, pouco vos poderia interessar conhecer.
Meu pai falecera tinha eu apenas quatro meses. Assim, tal como o meu irmão Zé, fui educado por minha mãe nos severos princípios tradicionais e abastadas famílias provincianas do velho Minho.
Aos dezassete anos, e na companhia de meu irmão, Coimbra seria uma etapa a cumprir: frequentar a velhinha Universidade no curso de Leis; era mais uma tradição que prevalecia, o nosso pai tinha sido juiz de direito.
Digo-vos, Coimbra valeu a pena. Não, não foram as velhas “tricanas”, as moças de Coimbra, ou a formatura que concluí cinco anos depois.
Coimbra proporcionou-me o privilégio de pertencer e conviver com a grande geração académica, que lançaria a pedrada no charco da cultura portuguesa. Esse movimento intelectual, denominado de “escola coimbrã”, que seria o arranque dinamizador da notável evolução literária dos finais do séc. XIX, era integrado pelo meu condiscípulo e fraternal amigo Antero de Quental, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e muitos outros, que tão grande influência tiveram no desabrochamento e implantação de ideias políticas, sociais e literárias da época.
Depois… Bom, depois foi o regresso a Guimarães. Mas, ainda que não dispusesse de transportes aéreos, fiz escala na capital portuguesa onde conheci o ambiente literário lisboeta, nomeadamente a “Gazeta de Portugal” de Teixeira de Vasconcelos e… viajei pelo estrangeiro.
No entanto, poderia dizer-vos que quase toda a minha vida foi passada na casa de meu pai, em Boamense (Famalicão) e Guimarães; os cuidados agrícolas e as pesquisas históricas eram para mim irresistíveis, absorviam-me.
Embora espiritualmente me possa (ou possam) considerar um cidadão do mundo, também me considero um provinciano, minhoto, “bacteriologicamente” puro. A minha maneira de estar na vida foi significativamente marcada pela forte personalidade do grande mestre, historiador e poeta, que foi Alexandre Herculano.
Reparem, fui convidado para deputado. Obviamente, recusei. Se bem me recordo, justifiquei a negativa alegando que me era impossível falar perante um auditório com mais de vinte pessoas!
Entre outros motivos, o meu temperamento e enraizamento à minha (nossa) região foram as razões que pesaram na recusa; apenas exerci um cargo público e uma só vez, o de Procurador à Junta Geral do Distrito de Braga onde representei o concelho de Guimarães.
Por este tempo, a cidade berço era um dos mais brilhantes centros de cultura regional, rivalizando com outros que então floresciam no país. Colaborei na “revista de Guimarães” e na publicação dos “Vimaranis Monumenta Historica” e dizem que terei sido um dos principais organizadores da Exposição Industrial de 1884, realizada na cidade natal.
Ao mesmo tempo que sentia enorme atracção pelos problemas agrícolas, interessava-me pela origem das técnicas, origem da propriedade rústica, da história das classes sociais e usos e costumes seculares da vida agrária.
Aqui, em Guimarães, conheci e convivi com o Martins Sarmento, de quem fui íntimo e admirador. Segui de perto os trabalhos do ilustre arqueólogo nas escavações da citânia de Briteiros e Sabroso, trabalhos esses que viriam a constituir um notável conjunto de subsídios elucidativos para o conhecimento de estratos profundos na História da ocupação humana no noroeste português.
Foi com base nas descobertas arqueológicas de Martins Sarmento, e na parte relativa à proto-história e etnografia, que eu lançaria o meu primeiro livro (“A Propriedade e Cultura do Minho) que parece, dizem, ter-me colocado na primeira linha dos nossos economistas rurais. A este propósito direi (e sem qualquer intenção auto-elogiosa) que o grande historiador e político Oliveira Martins solicitou a minha colaboração e conselho sobre o seu Projecto-Lei do Fomento Rural.
Considera-se, hoje, como o meu estudo mais notável “As vilas do Norte de Portugal”, a que a obra anteriormente citada serviria de introdução; e, já agora, referirei “O Norte Marítimo” (História da nossa navegação medieval) e “As Póvoas Marítimas”, onde faço a abordagem do povoamento da orla litoral compreendida entre o Minho e o Vouga por trabalhadores do mar.
Resta dizer-vos que, os escritos resultantes das conclusões a que chegava só foram publicados devido a insistentes pressões dos meus amigos. A popularidade era-me indiferente e até inoportuna; bastava-me o círculo restrito de amizades e meia dúzia de estudiosos que se preocupavam com os mesmos problemas que a mim interessavam.
Antes de findar o ano de 1908, uma doença de algumas semanas punha termo à minha existência. Foi no primeiro dia de Dezembro, em Boamense – Famalicão.